sábado, 9 de março de 2013

Darwin estava errado?


“A teoria da sobrevivência do mais gentil é uma crítica à teoria da sobrevivência do mais apto, de Charles Darwin. Diversas pesquisas feitas nos últimos anos, muitas delas por mim, têm mostrado que a seleção natural pode, sim, produzir espécies altruístas e cooperativas – em vez de seres humanos inteiramente egoístas. Darwin estava errado.”


Toda vez que estou lendo um texto ou debatendo com alguém e escuto/leio a frase “Darwin estava errado” acabo pensando instintivamente em duas perguntas:

1. Sobre o que?
2. E daí?




Ambas as perguntas surgem em minha mente por reflexo por já esperar a utilização desse dado exposto de modo falacioso e generalista. Em alguns momentos como na entrevista acima intitulada coincidentemente de “Darwin estava errado” da Revista IstoÉ percebemos que o autor da frase tenta apresentar o motivo de sua crítica, mesmo que infundada como tentarei demonstrar no decorrer desse texto. Alguns autores também acabam utilizando a mesma não para apontar falhas teóricas de Charles Darwin relacionadas a sua teoria mas sim para ataca-lo com dados que não faziam parte de sua realidade histórica ou escopo de pesquisa. Por último temos os autores que utilizam essa frase da forma mais suja e falaciosa possível, generalizando a mesma para tentar invalidar toda a teoria proposta por Darwin ao invés de apresentar seu real erro.


O ato de proclamar que Charles Darwin estava errado não é falacioso nem passível de críticas desde que o autor exponha as falhas citadas e não as generalize para tentar invalidar toda a ideia apresentada por ele. Realmente Charles Robert Darwin errou em diversos pontos de seu livro Origem das Espécies e essa informação é do conhecimento de todos os leitores atuais de sua obra, principalmente dos biólogos evolutivos, e a pergunta “Sobre o que?” apresentada acima deve ser feita sempre que essa frase for utilizada.



Um exemplo de falha conceitual de Charles Darwin está relacionado ao desconhecimento do processo de Tectônica de Placas e a defesa de uma Terra fixa com a dispersão dos organismos ocorrendo graças a um Centro de Origem-Dispersão, o que torna seus comentários sobre Biogeografia Evolutiva, principalmente no que se refere a distribuição das espécies, praticamente inúteis com base em nosso atual conhecimento científico. 


Essa falha não foi exclusiva de Darwin mas também foi seguida por diversos pensadores da época incluindo Wallace, considerado o “pai da Biogeografia” e naquele momento um especialista na área por utilizar os conceitos dela em seus trabalhos. Ambos seguiam as ideias de Linnaeus (1709-1778) e de Buffon (1707-1788) que apesar da heterogeneidade de idéias e paradigmas apresentavam um denominador em comum ligado a Biogeografia conhecido como dispersialismo, no qual todas as plantas e animais atingiram seus atuais padrões de distribuição exclusivamente através da dispersão.

Mesmo sabendo que seus contemporâneos e amigos DeCandolle (1778-1841) e Sclater (1829-1913), começavam a pôr em dúvida essa explicação única para a distribuição e apresentavam hipóteses relacionadas a uma Terra em movimento em seus escritos, Darwin-Wallace permaneceram céticos a essa linha de pensamento e mantiveram suas concepções da fixidez dos continentes provocando um endurecimento teórico, devido principalmente à autoridade de ambos, que permaneceu em voga mesmo após o surgimento da Teoria Sintética da Evolução onde neodarwinistas como Matthew (1915), Simpson (1940 e 1965), Mayr (1946) e Darlington (1957) continuaram aceitando plenamente esse modelo explicativo para a distribuição das espécies. Esse paradigma só foi quebrado após a apresentação por Alfred Wegener em 1912 da Deriva Continental e a primeira detecção da expansão dos fundos oceânicos na década de 60. A soma desses conhecimentos permitiram que Robert Palmer e Donald Mackenzie formulassem a Teoria da Tectônica de Placas no final da década de 60 que se somou ao conhecimento obtido até o momento e forneceu novas evidências para a Teoria Sintética da Evolução.


Outra falha conceitual de Darwin estava relacionada a teoria sobre a hereditariedade, já que ele não conhecia a genética ou o DNA. Em 1868, Charles Darwin publicou o livro ”Variação de Animais e Plantas Domesticados” onde sintetizou a teoria provisória da Pangênese, na qual procurou responder as criticas e apresentar de uma melhor forma a sua hipótese para a hereditariedade apresentada em sua Teoria da Evolução por Seleção Natural. Segundo esta hipótese, todas as partes do organismo produziam partículas denominadas “gêmulas” que eram direcionadas para as células germinativas e durante a reprodução sexuada, havia a mistura das partículas provenientes do macho e da fêmea produzindo um novo organismo com características de ambos os progenitores. 

Segundo a Pangênese, as modificações sofridas pelo organismo no decorrer de sua vida provocavam alterações nas gêmulas e, conseqüentemente, poderiam ser transmitidas para as gerações seguintes. Com isso notamos uma outra falha de Darwin desconhecida por muitos leitores que era a crença na transmissão dos caracteres adquiridos também defendida por Lamarck. Durante sua formulação da Pangênese ele teve que trabalhar com críticas sobre o efeito do uso e desuso dos órgãos periféricos que tentou responder através da “hipótese do transporte”. Outro ponto interessante é que no rodapé de seu livro, Darwin cita que outros autores, como o conde de Buffon, Charles Bonnet, Richard Owen e Herbert Spencer também haviam elaborado teorias de herança e de reprodução que aparentemente se assemelhavam à ideia de Pangênese, e que sua teoria seria uma síntese ampliada destas com diversas modificações. Essa hipótese foi completamente refutada após o redescobrimento dos trabalhos de Mendel que foram incorporados posteriormente a Teoria Sintética da Evolução.


Esses são os principais erros, não sendo os únicos, de Charles Darwin em sua obra Origem das Espécies e com isso podemos perceber que com base na perspectiva atual, os principais conceitos dele estão substancialmente corretos. Seus conceitos centrais sobre seleção natural e sexual demonstraram-se corretos e são corroborados por diversas pesquisas produzidas nos últimos 150 anos diferentemente do que seus críticos costumam tentar transparecer. Mesmo algumas visões que foram rebatidas por neodarwinistas após novas pesquisas demonstraram-se válidas como no caso de sua ideia sobre como novas espécies se formavam, que foi ofuscada durante muito tempo pela visão de Ernst Mayr de que uma barreira reprodutiva, como uma montanha, acabaria forçando uma espécie a se dividir. Essa antiga ideia de Darwin de que a especiação ocorre mais frequentemente através da competição em espaços abertos vem se mostrando correta através de diversos trabalhos apresentados por diferentes grupos de pesquisa.

Voltando a primeira frase desse texto onde Samuel Bowles crítica a ideia de Charles Darwin podemos perceber que o entrevistado desconhece sua obra em profundidade. O entrevistado esquece que Darwin apresentou uma forma de seleção em nível grupal que foi durante muito tempo descartada e que ganhou defensores como os biólogos E. O. Wilson e David Sloan Wilson após muitos anos obscurecida. Ele acreditava na continuidade entre seres humanos e outras espécies, o levando a analisar a moralidade humana com base na simpatia observada entre os animais sociais. Esse pensamento foi abolido durante muitos anos e só foi ressuscitado por pesquisadores como o primatólogo Frans de Waal.

Diferente do que é dito pelo economista, algo muito semelhante a sua conclusão já havia sido observado pelo próprio Darwin no livro “Origem das Espécies”, onde ele tentando explicar o altruísmo percebe que se esse comportamento aparentemente não oferece vantagem direta para o indivíduo possivelmente garantiria um benefício ao grupo. Mesmo com essa observação extremamente sensata o naturalista britânico ainda não entendia por que ser altruísta se o egoísmo parecia mais benéfico. Com isso notamos que o entrevistado utilizou a tão citada frase “Darwin estava errado” por total desconhecimento de sua obra e de sua teoria.

Por último lembro que o erro é algo compartilhado por todos os grandes cientistas e acabamos esquecendo que Copérnico, Newton, Einstein, entre outros também erraram em diversos pontos durante a formulação de suas teorias, o que não invalidou nem invalida todas as ideias propostas por esses pensadores. Mesmo ideias consideradas como incorretas as vezes tornam-se válidas após a obtenção de novos detalhes, como no caso do ressurgimento de ideias Lamarckistas graças a epigenética e seu possível acréscimo a uma nova síntese evolutiva. Outro ponto que vale ser citado é o fato de que atualmente estudamos a Teoria Sintética da Evolução que como o próprio nome diz é uma síntese do Darwinismo original e outras teorias que serviram para corroborar todo o pensamento evolutivo estabelecido por Darwin. O fato de Charles Darwin ter cometido falhas durante a formulação de sua teoria não invalida sua importância para a ciência, e o estudo de sua vida e obras demonstra que esse ilustríssimo senhor sabia muita coisa de biologia: mais que qualquer um de seus contemporâneos, mais que um número surpreendente de seus sucessores.


Autor: Fabiano Menegidio
Fonte: Evolution Academy


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