Estudo de uma nova espécie primitiva encontrada na Argentina demonstra que a evolução e o sucesso desses répteis na dominação do planeta não estão ligados à extinção de outros vertebrados, como se supunha até então. A descoberta é tema da coluna de Alexander Kellner.
Por: Alexander Kellner
Reconstrução da cabeça de ‘Eodromaeus murphy’ em vida. O animal exibe características dos estágios evolutivos mais primitivos do grupo dos terópodes, que inclui os dinossauros carnívoros. (foto: Mike Hettwer)
A nova espécie
Segundo Ricardo Martinez, do Instituto e Museu de Ciências Naturais da Universidade de San Juan (Argentina), e colaboradores, Eodromaeus murphy é conhecido a partir de meia dúzia de exemplares, todos incompletos, encontrados em diferentes camadas formadas entre 232 e 229 milhões de anos atrás.
O local é o famoso Valle de la Luna, na incrivelmente bela área do parque de Ischigualasto, situado na região norte de San Juan, na Argentina. Há mais de 50 anos, pesquisas e coletas sistemáticas são realizadas nesse parque, revelando como era o ambiente e a fauna quando os primeiros dinossauros surgiram na face do planeta.
- Cordilheiras e desfiladeiros se estendem ao longo do ‘Valle de la Luna’, no parque de Ischigualasto (Argentina), onde foram encontrados os exemplares do novo dinossauro. (foto: Ricardo Martinez)
Eodromaeus murphy era um animal pequeno, com menos de dois metros de comprimento desde a ponta do focinho ao final da cauda. Seu crânio era relativamente baixo e tinha amplas aberturas entre os ossos, o que o tornava bastante leve. O número de dentes era reduzido: em torno de 30 na arcada superior – bem menos do que outros dinossauros primitivos. Os dentes eram compridos, curvados para traz e tinham serrilhas – características típicas dos dinossauros carnívoros.
Além disso, o novo dinossauro era um animal bípede, ou seja, caminhava nas patas traseiras, podendo utilizar as patas dianteiras para agarrar ou derrubar presas. Sim, tudo indica que o Eodromaeus murphy, apesar do seu tamanho relativamente pequeno, teria sido um predador eficiente.
- Reconstrução do esqueleto quase completo de ‘Eodromaeus murphy’, que, segundo os pesquisadores, era um predador eficiente de pequenos animais. (foto: Mike Hettwer)
Outros dinossauros primitivos
Para que se consiga estabelecer se um achado representa ou não uma espécie nova e, sobretudo, para tentar entender o grau de parentesco entre as espécies – não apenas no caso dos dinossauros –, os pesquisadores obrigatoriamente realizam comparações detalhadas com formas já conhecidas.
Muitas vezes, durante esse trabalho, novas e importantes descobertas são realizadas. Foi exatamente isso o que ocorreu nesse caso.
Ao comparar Eodromaeus murphy com Eoraptor lunensis – outro importante dinossauro que havia sido descoberto em 1993 na mesma região de Ischigualasto –, os cientistas identificaram muitas diferenças, sobretudo no formato da cabeça e nos dentes.
- Réplica do crânio de ‘Eodromaeus murphy’, em que é possível observar os dentes compridos e curvados para traz – características típicas dos dinossauros carnívoros. (foto: Mike Hettwer)
Eoraptor tem um crânio bem mais alto e uma narina bem maior. Essas feições são típicas de outro grupo de dinossauros: os sauropodomorfos, que são formas predominantemente herbívoras. Ou seja, o Eoraptor, originalmente considerado um representante dos dinossauros carnívoros no grupo dos terópodes, acaba de ser reclassificado para um grupo de herbívoros (Sauropodomorpha).
Evolução dos dinossauros: oportunismo?
Dentre as discussões que cercam os dinossauros, um dos pontos mais polêmicos está vinculado à explicação para o sucesso do grupo. Por que os dinossauros, quando surgiram em algum momento do Triássico, há mais de 230 milhões de anos, passaram a dominar a superfície do nosso planeta?
A explicação mais aceita era o oportunismo – ou sorte, como querem alguns. A ideia é baseada na percepção de que os dinossauros somente se estabeleceram de forma dominante depois que outros répteis foram extintos.
Ou seja: mudanças no planeta (clima etc.) levaram à extinção de formas como os rincossauros (répteis herbívoros) e os dicinodontes (parentes distantes dos mamíferos que lembravam hipopótamos) e de grandes predadores como o Prestosuchus, deixando o caminho livre para os dinossauros. Esses “répteis terríveis” teriam, então, ocupado os nichos deixados vazios e, assim, se expandido para todo o planeta.
Ricardo Martinez e colegas puderam estabelecer uma melhor definição da idade das diferentes camadas encontradas em Ischigualasto. Assim, eles conseguiram determinar, com precisão maior, quais espécies diferentes viviam juntamente com os dinossauros – incluindo o Eodromaeus.
Para surpresa geral, os cientistas descobriram que os dinossauros eram relativamente mais comuns há 230 milhões de anos do que se supunha. E mais: a diversidade desse grupo de répteis naquele tempo era igual à encontrada mais tarde, em torno de 215 a 220 milhões de anos, quando esses animais passaram a dominar o planeta.
Pesquisas futuras
Muitas vezes a pesquisa pode ser frustrante, já que nem sempre uma hipótese inicial é confirmada por estudos posteriores. Isso ocorre em todas as áreas, não apenas na paleontologia.
Mas, devido à natureza do registro fóssil – bem mais raro do que gostariam os pesquisadores –, avanços como esses alcançados pela equipe de Ricardo Martinez nos fazem pensar e reanalisar dados antigos, para melhor explicar as observações que podemos fazer.
Estudos no nosso próprio país, por exemplo,no Rio Grande do Sul, poderiam ajudar a entender esse momento tão fascinante da história do nosso planeta, quando ocorreu o surgimento dos dinossauros.
Assista a um vídeo que mostra o processo de reconstrução do novo dinossauro em vida
(vídeo: Sereno Fossil Lab)
Paleocurtas
A exposição ‘Um tiranossauro no Museu Nacional’ está sendo um grande sucesso! Juntamente com outros fósseis, a cabeça do T. rex tem encantado o público – não apenas o infantil. Além disso, o visitante pode assistir ao vídeo do ator global Stênio Garcia, que apresenta vários dados sobre o "rei dos dinossauros"! O museu está aberto de terça a domingo, das 10 às 16 horas, no parque da Quinta da Boa Vista, Bairro Imperial de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. | Pesquisadores acabam de estudar a fauna de corais encontrada em rochas do Cretáceo Superior de Ivö Klack, na parte sul da Suécia. Coordenada por Anne Sørensen (Universidade de Copenhagen, Dinamarca) e publicada na Cretaceous Research, a pesquisa concluiu que a baixa diversidade de espécies está relacionada a questões de preservação. |
A Acta Palaeontologica Polonica acaba de publicar uma revisão dos pinguins fósseis encontrados na Antártica. Liderado pelo pesquisador Piotr Jadwiszczak (Universidade de Bialymstoku, Bialystok, Polônia), o estudo se concentrou no material dessas aves encontrado em depósitos com cerca de 40 milhões de anos na Ilha Seymour e demonstra que o número de espécies é menor do que se supunha. | Alexander Liu (Universidade de Oxford, Inglaterra) e colaboradores acabam de publicar na Palaeontology uma revisão dos fósseis conhecidos como “discos de pizza”. De acordo com o estudo, esses fósseis enigmáticos, procedentes de rochas com idades que variam de 579 a 560 milhões de anos, não representam organismos distintos e são resultado da decomposição de outras espécies conhecidas da fauna de Ediacara, que agrupa as formas mais antigas de animais com uma estrutura complexa conhecidas até agora. |
O Laboratório de Estratigrafia e Paleobiologia da Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul) acaba de anunciar a 8ª edição do Curso de Verão em Curadoria Paleontológica, que ocorrerá de 21 a 25 de fevereiro. Entre outras atividades, o curso (40 h) vai mostrar, de forma resumida, as principais etapas da pesquisa com fósseis. Mais informações com oprofessor Átila da Rosa. | Victoria Arbout e Philip Currie (Universidade de Alberta, Canadá) acabam de descrever um novo pterossauro daquele país. Encontrado em rochas formadas há 75 milhões de anos,Gwawinapterus beardi pertence a um grupo de répteis voadores conhecidos anteriormente apenas na Inglaterra e na China. O estudo foi publicado no Canadian Journal of Earth Sciences. |
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