Por baixo de todo o gelo da Antártica repousam pistas arqueológicas para um passado não muito distante. No Estúdio CH desta semana, Andrés Zarankin, arqueólogo da UFMG, fala sobre a primeira expedição brasileira desta área ao continente, que coordenou no início deste ano.
A Antártica foi o último grande território ocupado pelo capitalismo na virada do século 18 para o 19, quando o sistema já estava consolidado na Europa. O continente gelado recebia expedições para explorar atividades como a caça às focas – geralmente de forma predatória e nada sustentável, e sempre no verão. Afinal, na época não havia tecnologia para sobreviver às temperaturas de 40 graus negativos lá enfrentadas no inverno.
Há 15 anos, arqueólogos argentinos começaram a trabalhar para reconstituir a história desses primeiros exploradores do continente, que foi ignorada pela história oficial. Hoje, o esforço mobiliza um grupo composto por pesquisadores do Brasil, do Chile e da Argentina, em projeto liderado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Estudar a ocupação desse território permite compreender as estratégias de ação do capitalismo na época”, diz Andrés Zarankin, da UFMG, em entrevista ao Estúdio CH.
Coordenador da expedição, o arqueólogo argentino passou quatro semanas no continente com uma equipe de sete pessoas, entre fevereiro e março deste ano. “O projeto se preocupa com a construção de uma história alternativa às histórias oficiais da ocupação da Antártica”, diz Zarankin.
“Enquanto a versão oficial relata detalhes das grandes viagens pioneiras exploratórias, sempre sob a perspectiva dos capitães e grandes financiadores, essa história alternativa se volta para as pessoas que se ocupavam dos afazeres cotidianos da exploração no local. Elas são mantidas invisíveis nos livros oficiais, mas na verdade eram centrais no processo exploratório”, ressalta Zarankin.
Cachimbo de caulim de começos do século 19, encontrado na expedição (foto: Andrés Zarankin e equipe).
Quando o lixo tem valor histórico
Em entrevista ao jornalista Fred Frutado, o arqueólogo fala sobre as dificuldades de se trabalhar nas condições extremas do continente, onde tiveram que desenvolver técnicas especiais para driblar o gelo. E conta que os objetos já coletados oferecem um panorama significativo da vida na época. A equipe encontrou ossos, tecidos, sapatos, cerâmicas, vidros, tecidos e até cachimbos.
“Esse material vai nos oferecer informações sobre diversos aspectos da vida cotidiana desses grupos, como alimentação, vestimenta e trabalho”, aponta, lembrando que o “lixo” que rejeitamos hoje poderá ter grande valor para se entender a nossa cultura amanhã.
“A arqueologia trabalha com cultura material, com todo produto feito direta ou indiretamente pelo ser humano. Assim, tem a possibilidade de oferecer olhares alternativos aos documentos escritos, e, portanto, de contar a história dos grupos subalternos”, conclui.
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